Pesquisa Realizada pelo www.enscer.com.br

"FISIOPATOLOGIA DA INTELIGÊNCIA "

Armando Freitas da Rocha 1, Adriane Serapião2, Claudia C. Leite 3, Renée Xavier Menezes 4

1 - Coordenador do Núcleo de Estudos do Aprendizado e Cognição – UNICID;
Professor Visitante na Disciplina de Informática Médica da FMUSP;

Diretor Científico da EINA – Estudos em Inteligência Natural e Artificial - Jundiaí

2 - Chefe do Serviço de Ressonância Magnética do INRAD – HC – FMUSP

3 - Pesquisadora da Disciplina de Informática Médica da FMUSP

E-MAIL: eina@enscer.com.br

RESUMO

O mundo tecnológico moderno aumenta a necessidade de uma educação formal que habilite o indivíduo ao mercado de trabalho e lhe permita usufruir melhor das oportunidades de lazer e saúde disponíveis na sociedade em que se inclui. Essa demanda de educação formal, por sua vez, pressiona a sociedade para que melhore seus serviços ensino quer públicos quer privados. A demanda pela educação inclui também grupos de indivíduos com necessidades especiais decorrentes de suas condições físicas e biológicas, que acarretam distúrbios ou deficiências de aprendizagem. As neurociências se desenvolvem rapidamente, e graças às novas tecnologias não invasivas de análise da estrutura e função cerebral, geram hoje um conhecimento cada vez mais preciso da funcionalidade do cérebro humano em qualquer fase de seu desenvolvimento. Rocha e colaboradores desenvolveram uma metodologia de análise da atividade elétrica cerebral associada à realização de atividades cognitivas, denominada Mapeamento Cognitivo Cerebral (MCC). Realizaram também o mapeamento por ressonância magnética (RM) para caracterizar a estrutura cerebral dessas crianças. Esses estudos foram financiados pela FAPESP na sua linha de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, e pelo CNPq como um projeto temático na área de Informática e Educação, e desenvolvido em parceria com a APAE – Jundiaí e o Núcleo de Estudos da Aprendizagem e Cognição (NEAC – UNICID), tendo resultado não só no desenvolvimento de um software para ensino e avaliação do desenvolvimento cognitivo, mas também em uma nova proposta de como orientar o processo educativo formal dessas crianças. O presente trabalho tem por objetivo resumir alguns desses resultados.

1 – Introdução

O mundo tecnológico moderno aumenta a necessidade de uma educação formal que habilite o indivíduo ao mercado de trabalho e lhe permita usufruir melhor das oportunidades de lazer e saúde disponíveis na sociedade em que se inclui. Essa demanda de educação formal, por sua vez, pressiona a sociedade para que melhore seus serviços de ensino quer públicos quer privados, para prover uma educação que não só beneficie o indivíduo, mas que também garanta o desenvolvimento tecnológico futuro dessa mesma sociedade. A demanda pela educação inclui também grupos de indivíduos com necessidades especiais decorrentes de suas condições físicas e biológicas, que acarretam distúrbios ou deficiências de aprendizagem.

Cerca de dez porcento da população em idade escolar experimenta uma disfunção cerebral que resulta em um distúrbio ou deficiência de aprendizagem ( Aicardi, 1998; Capute e Accardo, 1996; Coffey and Brumback, 1998; Spreen, Risser and Edgell, 1995). Esses distúrbios e deficiências podem ter uma causa estrutural ou funcional definitiva ou podem decorrer de um desenvolvimento cerebral mais lento devido a lesões ou fatores ambientais e/ou familiares (Rocha et al., 2000). Embora essas crianças tenham sido discriminadas no passado, hoje procura-se incluí-las no processo educacional, mesmo que o sucesso de tal processo possa ser questionado.

As neurociências se desenvolvem rapidamente, e graças às novas tecnologias não invasivas de análise da estrutura e função cerebral, geram hoje um conhecimento cada vez mais preciso da funcionalidade do cérebro humano em qualquer fase de seu desenvolvimento ou envelhecimento. Os avanços proporcionados pelo projeto Genoma, pela neurogenética e neuroquímica permitem uma melhor compreensão dos processos fisiopatológicos do desenvolvimento cerebral. As informações geradas por essa atividade ímpar de pesquisa, permitem hoje o desenvolvimento de novas teorias e modelos sobre o funcionamento do cérebro humano (Rocha, 1992; 1997, 1999, 2000), abrindo as últimas fronteiras da indagação filosófica quanto à investigação planejada de fenômenos tão complexos quanto o da consciência (Damasio, 1999; Edelman and Tononi, 2000; Rocha et al, 2000).

O uso dos novos conhecimentos disponibilizados pelas neurociências na modelagem dos processos formais educativos tem resultado em novas propostas de trabalho nas áreas da educação infantil e ensino fundamental ( Butterworth, 1999; Cardoso-Martins, 1996; Harley, 1995; Pinheiro, 1994; Siegler, 1996; Rocha, 1999, 2000). Essas novas abordagens têm contribuído para uma melhoria da qualidade de ensino e um aumento de sua efetividade.

Rocha e colaboradores (Rocha et al, 1999; Foz et al, 1999; 2001; Rocha et al, 2000) desenvolveram uma metodologia de análise da atividade elétrica cerebral associada à realização de atividades cognitivas, denominada Mapeamento Cognitivo Cerebral (MCC), que considera que:

Esses autores utilizaram essa metodologia para estudar a funcionalidade cerebral associada a realização de tarefas cognitivas por crianças normais e portadoras de deficiências cerebrais e sensoriais ( Foz et al, 1999; Leite, 2000, Machado et al, 2000; Ramazzini, 2000; Rocha, 1997; Rocha et al, 2000 ). Realizaram também o mapeamento por ressonância magnética (RM) para caracterizar a estrutura cerebral dessas crianças. Esses estudos foram financiados pela FAPESP na sua linha de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, e pelo CNPq como um projeto temático na área de Informática e Educação, e desenvolvido em parceria com a APAE – Jundiaí e o Núcleo de Estudos da Aprendizagem e Cognição (NEAC – UNICID), tendo resultado não só no desenvolvimento de um software para ensino e avaliação do desenvolvimento cognitivo, mas também em uma nova proposta de como orientar o processo educativo formal dessas crianças. O presente trabalho tem por objetivo resumir alguns desses resultados.

2 – Estudando o processamento neural

Os diversos eletrodos colocados sobre áreas diferentes do crânio registram a atividade de neurônios de áreas distintas do córtex cerebral. Pode-se considerar que se neurônios de diferentes áreas corticais foram recrutados para colaborar na execução de uma determinada tarefa, então a atividade desses neurônios estarão correlacionadas. A análise do EEG pode revelar, portanto, a associação de agentes envolvidos na solução de um determinado problema.

Utiliza-se para esse estudo dois computadores (Figura 1): um deles para a aquisição e registro dos sinais eletroencefalográficos e o outro para apresentação de atividades informatizadas (AI) que propõem tarefas específicas ( por exemplo, charadas, cálculos, etc.) em áreas definidas da cognição (por exemplo, linguagem, aritmética, etc.). Os dois computadores operam em rede, de modo a permitir a sincronização da aquisição do EEG com os eventos associados às distintas fases das AIs.

Os 20 eletrodos são fixados com ajuda de pasta condutora e distribuídos pelo crânio, 7 na região frontal (FP1; FP2, F7; F3; FZ; F4; F8), 3 na região central (C3; CZ; C4), 3 parietais (P3; PZ; P4), 4 temporais (T3; T5; T4; T6) e 3 occipitais (O1; OZ; O2). São utilizados também 3 eletrodos ( 1 para terra e duas referências), localizados 1 na fronte e 2 nos lóbulos da orelha, conforme ilustrado na figura 1.

No momento em que neurônios de certas áreas do cérebro são recrutados para participar da solução de uma tarefa, a atividade elétrica nessas áreas ( e registrada por um dos eletrodos ) passam a se correlacionar entre si. Essa correlação pode ser calculada matematicamente e usada para gerar o Mapeamento Cognitivo Cerebral associado. Resumindo (Fig. 1):

  1. registra-se o EEG durante a realização de atividades informatizadas, como por exemplo charadas, cálculos, quebra cabeças, etc.
  2. utilizam-se dois computadores ligados em rede: um para o registro do EEG e outro para a execução das atividades
  3. selecionam-se os trechos do EEG associados a cada um dos eventos de cada AI. Por exemplo, numa atividade de charada: início do som, final do som, apresentação das figuras e tomada de decisão.
  4. calcula-se a média da atividade elétrica (ARE) relacionada a cada um desses eventos;
  5. obtém-se para cada grupo experimental as médias (AREMs) dos respectivos AREs;
  6. processa-se a correlação linear da atividade promediada para cada derivação dos AREs e AREMs em relação à atividade promediada de todas as outras 19 derivações;
  7. calcula-se, então, a capacidade computacional alocada em cada área ou derivação do EEG para a execução da atividade informatizada, e finalmente
  8. os mapas cognitivos cerebrais ( MCCs ) mostram a capacidade computacional alocada em cada derivação para a execução de um evento da tarefa estudada Calcula-se, portanto, os MCCs individuais e médios para grupos, associados a cada evento de cada tarefa.
  9. Os valores de entropia são normalizados para gerar os MCCs, de modo que as áreas que alocaram maior capacidade computacional para solução da tarefa aparecem em cinza e aquelas que se envolveram menos com a atividade aparecem em preto.

Fig. 1 – O EEG durante a execução de jogos

Fig. 2 – Os jogos utilizados para estudo do MCC

Esse estudo pode ser feito durante a execução de atividades informatizadas (Fig. 2) especialmente elaboradas para o estudo de funções definidas do cérebro (Foz, 2001; Foz et al, 1999, 2001; Rocha, 1999; Rocha et al, 2000; Serapião, 2001) , tais como :

Essas atividades foram implementadas no sistema ENSCER ®, que disponibiliza a programação de atividades informatizadas de conteúdo pedagógico e a utilização dessas atividades tanto para ensino como para geração dos MCCs.

 

3 – Cognição e atividade neural

Os MCCs associados aos jogos da Fig. 2, executados por um grupo de adultos (A), um grupo de crianças freqüentando o ensino fundamental (F) e um grupo matriculado na educação infantil (I), mostraram que (Rocha et al, 2001):

  1. o número de erros e o tempo na solução de qualquer um dos jogos foi alto para o grupo I, se reduziu para o grupo F e atingiu os menores valores para o grupo A;
  2. a capacidade computacional utilizada em cada Atividade Informatizada mostrou uma tendência a ser menor para o grupo A, aumentar para o grupo F e atingir seu maior valor para o grupo I, exceto no caso da atividade de rotação mental, no qual os adultos apresentaram maior valor de entropia acumulada;
  3. nas atividades de linguagem, os adultos fizeram uma recodificação da informação verbal para visual durante a apresentação da fala, uma vez que ativaram áreas do hemisfério esquerdo associadas ao processamento lingüístico e do hemisfério direito, associadas à criação ou ao relembrar das imagens mentais associadas ao texto (Fig. 3 – início e fim do som). Durante o período que se seguiu a apresentação da informação visual, utilizaram áreas frontais para uma decisão rápida, quase isenta de erro (Fig. 3 – Análise visual, acerto e erro). Os indivíduos do ensino fundamental ( grupo F ), por sua vez foram muito mais verbais no jogo de charadas e muito mais visuais nas atividades da história de natal, uma vez que pode se observar na Fig. 3 uma ativação predominante de hemisfério esquerdo anterior durante a realização da charada e uma forte ativação bilateral posterior durante o processamento da história. Finalmente, as crianças da educação infantil ( grupo I ) parecem recrutar um maior número de áreas em ambos hemisférios do que os demais grupos, embora pareça haver uma predominância de uma maior participação do cérebro anterior;

  4. Fig. 3 – MCCs para as charadas

  5. um comportamento semelhante pode ser observado nos jogos de rotação mental, uma vez que os adultos parecem utilizar predominantemente o hemisfério direito para uma análise visual que envolve também regiões parietais central e esquerda, enquanto que o grupo F parece se apoiar em um recrutamento maior de áreas occiptais e frontais direita. Novamente, o grupo I recruta neurônios de um número maior de áreas para realizar a tarefa;
  6. no jogo de quebra-cabeça observa-se um predomínio do recrutamento de neurônios no hemisfério direito para todos os grupos, porém uma maior participação de áreas frontais esquerdas nos grupos de crianças, em comparação com os adultos, e
  7. finalmente, mostrou-se que a capacidade computacional utilizada na solução das tarefas verbais decresceu com o aumento do QI das populações estudadas.

Esses resultados mostram que os MCCs não só identificam adequadamente as áreas cerebrais mais envolvidas na solução de uma tarefa cognitiva, mas também demonstram o caráter distribuído do processamento cerebral e a dependência da inteligência à essa capacidade de recrutamento neural (Rocha, 1999; Rocha et al, 2001). Mais importante, ainda, é a demonstração de que o recrutamento neural para solução da mesma tarefa muda com a idade e desenvolvimento intelectual da população, conforme discutido na literatura ( Chugani, 1999; Deary and Caril, 1997; MacKintosh, 1998; Thompson et al, 2000).

 

4 - Cognição, atividade neural e escolaridade

O estudo da atividade elétrica associada à realização dos jogos da Fig. 2 pelos alunos matriculados na APAE-Jundiaí mostraram que (Leite, 2000; Rocha et al, 2000; Serapião, 2001):

MÉDIAS
CAPACIDADE COMPUTACIONAL MÉDIA
ESCOLARIDADE / ERRO
APRESENTAÇÃO
ESCOLARIDADE / TEMPO
ACERTO

Fig. 4 – Correlação entre escolaridade, desempenho e atividade elétrica cerebral

  1. o desempenho das crianças correlacionou-se com sua escolaridade, uma vez que (Fig. 4) tanto o número de erros como o tempo para execução do jogo foi maior para a classe inicial de educação infantil (Pré 1), menor para o segundo ano do ensino fundamental (Alfa 2), e atingiu valores intermediários para as classes Pré 2 e Alfa 1. A Fig. 4 mostra na coluna da esquerda as médias para erro e tempo, enquanto que nas colunas erro e tempo, mostra os coeficientes angulares (beta) obtidos para as regressões múltiplas entre classe escolar e erro ou tempo, respectivamente. Os resultados foram altamente significativos, com p menor que .01 para quase a totalidade dos coeficientes angulares e coeficientes de regressão para as relações em torno de 80%.
  2. a correlação desempenho com a escolaridade foi acompanhada também de uma forte correlação entre a capacidade computacional utilizada na realização das Atividades Informatizadas e escolaridade. A Fig. 4 mostra esses resultados para o jogo de rotação de letras, para os eventos apresentação e acerto.

Esses achados não só mostram a utilidade da metodologia desenvolvida para a avaliação do envolvimento cerebral e da cognição no desenvolvimento do processo educacional formal, mas também ressaltam que uma população de crianças deficientes mentais, mostra uma capacidade de aprendizagem que lhe permite melhorar seu rendimento com o progresso da escolaridade, da mesma maneira como ocorre para populações de crianças normais.

5 – Plasticidade

Realizou-se o mapeamento cerebral por ressonância magnética (RM) nos alunos matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental do sistema APAE-Jundiaí, num total de 146 crianças (Leite, 2000; Rocha et al, 2000).

O estudo mostrou que cerca de 40% das crianças tem uma estrutura macroscópica cerebral preservada. As principais lesões observadas nos outros 60% dos alunos foram:

  1. Leucomalácia: lesão de origem provavelmente isquêmica, devido a eventos anóxicos pré e perinatais. Nos alunos estudados, essas lesões atingiram principalmente os lobos parietais e occiptais.
  2. Assimetria Ventricular (ASV): indica a perda de substância branca no hemisfério cerebral que mostra o ventrículo mais dilatado. Na população estudada, essa perda predominou no hemisfério esquerdo.
  3. Gliose: lesão que se apresentou difusa, atingindo várias áreas cerebrais no mesmo indivíduo, com uma ligeira predominância nos lobos frontais.
  4. Alterações do Corpo Caloso: que podem ser divididas em hipoplasias globais (CC – Global) que acompanharam outras lesões graves ou parciais, e aquelas que predominaram no tronco do corpo caloso (CC – Tronco).

Houve também uma alta incidência de associações de lesões, chamando a atenção a associação entre leucomalácia e alterações do corpo caloso.

O estudo de RM identificou quatro indivíduos portadores de lesões extensas que comprometem áreas de linguagem no hemisfério esquerdo. A Fig. 5 mostra as lesões do indivíduo ARM, que destruíram parte do lobo frontal esquerdo e as fibras do fascículo arcuado que fazem a conexão entre áreas parieto-temporais e o lobo frontal esquerdo. Essas lesões parecem ter sido causadas por um episódio hipertensivo materno no primeiro trimestre de gravidez. Uma outra criança tem lesões que comprometem tanto o lobo frontal quanto o temporal esquerdo, e as lesões parecem ter decorrido de um episódio de hemorragia intracraniana peri-natal. Os dois outros indivíduos apresentam lesões do lobo parietal esquerdo, provavelmente associados a processos isquêmicos peri-natais.

Essas crianças apresentaram sérios problemas de desenvolvimento lingüísticos, porém, atualmente demonstram uma boa capacidade de compreensão verbal, embora duas delas continuem apresentando dificuldades de fonação.

Os MCCs para atividades de linguagem realizadas em três dessas crianças (Foz et al, 1999; 2001) mostraram que a realização das tarefas foram realizadas com recrutamento de neurônios do hemisfério direito ( veja por exemplo, os MCCs da Fig. 5 associados à solução de charadas ), que assumiram o processamento verbal que deveria ser executado pelas áreas lesadas.

Fig. 5 – Um exemplo de plasticidade

O mais importante é que essas crianças estão agora iniciando seu processo de alfabetização, e mostrando que apesar das suas lesões extensas de hemisfério esquerdo, são capazes de aprender a ler e escrever (Fig. 5).

 

5 – A deficiência visual

O computador é uma ferramenta muito versátil no ensino e poderia ser muito eficaz em programas que visam a promoção do desenvolvimento de crianças portadoras de deficiências visuais pois, permitiria trazer as imagens de interesse da criança para seu espaço.

Fig. 6 – Compressão do hemisfério direito, ocasionando atrofia do nervo ótico.
Os circuitos visuais centrais do hemisfério direito são funcionais e a criança está sendo alfabetizada.

Esta foi a hipótese que orientou o planejamento do atendimento de um grupo de crianças no Núcleo de Estudos da Aprendizagem e Cognição, na Universidade Cidade de São Paulo. Para tanto:

  1. Criou-se um conjunto de atividades educacionais utilizando vários tipos de jogos eletrônicos disponibilizados pelo software "Apendendo com Juca e Laura", que permitem tanto a avaliação da capacidade visual funcional da criança, quanto o seu treinamento visual.
  2. Organizou-se essas atividades em vários projetos de atividades educacionais (PAEs), cada um dos quais com objetivos específicos de avaliação ou apoio ao desenvolvimento sensorial.
  3. Reuniu-se esses projetos em uma disciplina denominada Desenvolvimento Funcional.
  4. Selecionou-se então, um grupo de doze crianças da comunidade, sem nenhum critério pré-definido além daquele de ser reconhecidamente um deficiente visual: ou por indicação média ou por indicação dos professores que atendiam essas crianças.
  5. Realizou-se um estudo funcional da capacidade cerebral de processamento visual dessas crianças através dos MCCs.

Os principais resultados, obtidos até agora, podem ser assim sumarizados:

  1. As crianças deficientes visuais não encontram dificuldades expressivas no manuseio do computador. Em poucas horas de treinamento, são capazes de aprender a coordenação visuomotora necessária para a utilização do mouse. Ajustam-se também rapidamente ao uso do vídeo, independente das suas dificuldades visuais.
  2. O estudo da capacidade funcional visual mostrou que as crianças deficientes visuais fazem um uso intenso das áreas cerebrais visuais, independente dessa deficiência ser de origem puramente periférica ou estar associada a anomalias cerebrais (Fig. 6).
  3. Como decorrência da preservação da capacidade neural do sistema visual, as crianças deficientes visuais são capazes de experimentar um desenvolvimento cognitivo normal que lhes permite alfabetizar-se (às vezes quase que sozinhas) e ganhar proficiência em matemática, bem como, ter uma criatividade visual plástica.

 

6 – Conclusões

Uma das principais conclusões que decorrem dos trabalhos de Rocha e colaboradores ( Foz et al, 1999; Leite, 2000, Machado et al, 2000; Ramazzini, 2000; Rocha, 1997; Rocha et al, 2000 ) sumarizados nas sessões precedentes é a de que:

Os resultados da análise da estrutura cerebral das crianças matriculadas na APAE-JD, portadoras de QI menor que 70, mostram que a deficiência mental assim caracterizada, não é uma entidade nosológica única. Cerca de 60% das crianças apresentam alteração estruturais das mais variadas etilogias e atingem distintas áreas cerebrais. De modo que, o baixo nível atingido nos testes psicométricos por essas crianças, deve ser interpretado como podendo ser decorrente do distúrbio de vários circuitos neurais distintos.

Aceita essa premissa, segue-se que os recursos que cada uma dessas crianças solicitará para um desenvolvimento adequado de sua cognição, terão correlação com o tipo de lesão cerebral de que são portadoras. Deve-se, também, estar atento para o fato de que os recursos necessários para esse desenvolvimento não são apenas recursos materiais, mas principalmente a escolha de estratégias de ensino adequadas, pessoal em número adequado e qualificados para essa tarefa, e principalmente um respeito ao tempo de cada uma dessas crianças.

A reorganização cerebral necessária para melhorar a capacidade cognitiva da criança é, em muitos casos, um processo lento que pode durar anos, como evidenciado aqui no caso das crianças que realocaram o processamento de linguagem no hemisfério direito. A fala nessas crianças foi tardia e o processo de alfabetização está se inicializando no início da segunda década de vida.

Uma estratégia de ensino que respeite a funcionalidade cerebral parece ser fundamental para o desenvolvimento cognitivo das crianças, quer portadoras de deficiências ou não (Rocha, 1999 e 2000). A substituição do método tradicional silábico que era utilizado na APAE-JD, por um método de alfabetização que dá ênfase a uma leitura e escrita semânticas (e.g., Pinheiro, 1994; Harley, 1995), parece estar facilitando o processo de aquisição da leitura e escrita.

A compreensão da dissociação entre os circuitos neurais para linguagem e matemática (Butterworth, 1999 e Rocha, 2000) deve orientar as estratégias de ensino da aritmética, dando ênfase ao fato de que o aprendizado da aritmética deve ser feita a partir das noções de numerosidade de conjuntos e de relações espaciais. Aritmética é assunto do hemisfério direito e não um memorizar verbal de fatos matemáticos (taboadas). Entretanto, ênfase a um uso da linguagem no aprendizado da matemática pode ser necessária no caso de crianças com lesões de hemisfério direito.

Cerca de 40% das crianças com QI menor que 70% não mostraram nenhuma anomalia estrutural de seus cérebros. Deve-se admitir, então, que distúrbios funcionais a nível de sinápse e neurônios devem ser responsáveis pelas dificuldades cognitivas que enfrentam. Existe também uma alta incidência, na população estudada, de caso familiares: um ou mais irmãos, um ou mais primos, etc. Esse achado indica que muitas das disfunções nessa população pode ter um fator de herança familiar, quer cultural quer biológica.

Todos esses dados ressaltam a complexidade do que se convencionou chamar deficiência mental. Como conseqüência, deve-se admitir que qualquer abordagem para desenvolvimento de crianças com déficit cognitivo deve levar em consideração a variabilidade dos possíveis mecanismos responsáveis e, portanto, prever a alocação correta de recursos quer materiais quer humanos, que as diversas crianças solicitarão.

A experiência com os deficientes visuais no NEAC – UNICID mostrou mais uma vez a necessidade da adequação de recursos para o desenvolvimento cognitivo de crianças com necessidades especiais. Aqui, o uso do computador foi peça fundamental para trazer as informações para o espaço visual da criança. Em pouco tempo, puderam então fazer um aprendizado que correlaciona fala e imagem, e que lhes permite ampliar seu mundo semântico.

Uma característica marcante no estudo dessas crianças, foi a funcionalidade preservada dos circuitos centrais para visão, mesmo naquelas crianças com maior grau de comprometimento visual periférico e mais idade.

Esses fatos devem ser levados em consideração no planejamento do ensino dos portadores desse tipo de deficiência, uma vez que em sala de aula, a lousa, que não está no espaço visual dessas crianças, é ferramenta fundamental para as atividades. A informatização do ensino é uma solução adequada para esses casos.

Uma vez mais, deve-se ressaltar que o fato de que as crianças portadoras de deficiências cerebrais e/ou sensoriais tem uma capacidade de aprendizagem preservada, uma vez que mostrou-se que tanto o desempenho em várias atividades cognitivas melhora com o seu progresso pedagógico, como também a funcionalidade cerebral acompanha coerentemente esse progresso, da mesma maneira como se descreve para crianças consideradas normais (Chugani, 1999 e Thompson et al, 2000).

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