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Contagem
As neurociências têm mostrado que os processos de contar e calcular são suportados por circuitos neurais semelhantes entre si, mas distintos daqueles envolvidos na produção e compreensão da linguagem. O contar começa a ser entendido como um processo de coordenação motora dos atos de localizar e apontar ou marcar os objetos de interesse, e um processo neural de quantificação dos objetos assim identificados.
Fig. 1 – Um modelo de quantificador
Um mecanismo básico para o processo de contagem foi proposto pelos cientistas Meck e Church em 1983, baseado em um neurônio acumulador A, cujo nível de ativação define os objetos já contados. O modelo da Fig. 1 utiliza essa idéia para propor um circuito básico para o processo de contagem e cálculo que incorpora os principais achados da literatura e servirá para explicar os objetivos dos nossos brinquedos.
Nesse modelo, um identificador I (um circuito neural visual, auditivo, tátil, etc.) identifica o objeto a ser contado. A cada identificação, o elemento I envia um pulso para o acumulador A que muda seu nível de atividade (Fig. 2 – Operando por unidade). Esse acumulador A está conectado a um conjunto de outros neurônios que são chamados de quantificadores. Definiu-se dois grupos de quantificadores: os Quantificadores Proporcionais e os Sequenciais (fig. 1), que podem, por exemplo, controlar as marcas na prancha do robô, mostrando a quantificação realizada.
Fig. 2 – Operando com unidades
No processo de contar, o robô localiza e aponta um objeto de interesse. Quando isso ocorre, o identificador I aumenta a atividade do neurônio Acumulador A em uma unidade, que por sua vez determina a ativação de um número proporcional do Quantificador Proporcional e um número do Quantificador Seqüencial (fig. 2). Esse processo de contagem é chamado aqui de Contagem por Unidade.
As neurociências têm mostrado também que os humanos e os animais são capazes de contar rapidamente pequenas coleções de objetos ( 1 a 4 ), no processo chamado de Contagem por Bloco. O identificador I pode reconhecer e quantificar essas pequenas coleções, de modo que o número de pulsos ( por exemplo, 2 na Fig. 3 ) que enviará para o acumulador A dependerá do número de elementos identificados por bloco.
Fig. 3 – Operando com blocos
Os circuitos definidos nas Figs. 1 a 3 mostram que vários tipos de processamento com quantidades podem ser realizados sem qualquer referência à linguagem humana, e ressaltam que o processo de contar depende fundamentalmente da habilidade de localizar e identificar os objetos de interesse. No caso humano isso implica, principalmente, na otimização dos controles da movimentação ocular (localização e identificação) e da mão (apontar ou marcar). O processo de contar pode ser acelerado, toda vez que for possível identificar pequenos blocos de objetos. Esse é o processo de contagem por múltiplos.
Os circuitos mostrados nas Figs. 1 a 3 são capazes também de suportar as relações entre aritmética e linguagem. Basta os Quantificadores Seqüenciais se relacionarem com os neurônios de controle da fonação para números, localizados na área de Broca, ou com aqueles para reconhecimento das formas visuais dos números arábicos localizados no giro angular (fig. 4). Dessa maneira, somos capazes de codificar as quantidades reconhecidas por esses circuitos tanto na fala quanto na leitura e escrita. Da mesma maneira, os neurônios sensoriais que reconhecem os sons e as imagens dos números podem mapear diretamente os respectivos Quantificadores Seqüenciais.
Fig. 4 – Codificando quantidades
O ábaco eletrônico do sistema ENSCER (Cd "Calculando com Juca e Laura") e a série de Brinquedos Inteligentes "Algorix" utilizam peças e pranchas para auxiliar a criança a representar concretamente os números, a explorar a estrutura decimal, a realizar as quatro operações aritméticas, e a ler e escrever os nomes dos números. Ambos funcionam de forma semelhante aos processos neurais responsáveis pela contagem e cálculo.
Brinquedos Inteligentes "Algorix"
Nessa proposta, a relação entre linguagem e aritmética desenvolve-se paralelamente em decorrência da otimização dos circuitos neurais para linguagem e aritmética, otimização esta determinada pela aprendizagem que deve ser independente, porém associada. Por independente se quer ressaltar que a aprendizagem do contar e calcular não é subordinada ao aprender a falar, ler e escrever, como é tradição em nossa cultura. Por associada se quer ressaltar que a aprendizagem concomitante e coerente facilitará o mapeamento entre os Quantificadores Seqüenciais e os neurônios dos circuitos neurais para linguagem, quer oral, visual ou escrita.
Os números que usamos formam um sistema numérico decimal porque são escritos de modo que as quantidades que representam sejam expressas em múltiplos de unidades e/ou dezenas. Assim, o número 82 = 8 X 10 + 2 X 1; 62 = 6 X 10 + 2 X 1, etc.
Nesse tipo de notação, o valor de um numeral depende de sua posição no número em questão. Assim, o numeral 8 representa 8 unidades no número 18;8 dezenas no número 82; 8 centenas no número 832, e assim por diante.
A criação do sistema decimal foi um grande passo dado pelo homem no desenvolvimento de um sistema de notação numérica geral e que favorece um cálculo numérico eficiente. As operações aritméticas, por exemplo, envolvendo qualquer número, podem ser decompostas como operações simples com cada um de seus numerais, sempre considerando-se que o resultado será um múltiplo de unidades ou dezenas.
Cd "Calculando com Juca e Laura"
Essas propriedades dos números decimais facilitaram o desenvolvimento de vários objetos e aparelhos para ajudar o homem a calcular. Um desses sistemas é o ÁBACO.
O Ábaco disponibiliza um conjunto de peças ( por exemplo, bolinhas ) que são utilizadas para marcar números em um conjunto de dispositivos ( por exemplo, pranchas ) de representação das unidades, dezenas, centenas, milhares, etc. Esse método auxilia a decomposição numérica, facilitando os processos de contagem e cálculo por blocos.
Cd "Calculando com Juca e Laura"
Representa-se os números no ábaco colocando a quantidade adequada de marcadores nos dispositivos de representação das unidades, dezenas, centenas, etc. Simulando-se assim, o processo natural de contagem.
Cálculo
Os resultados dos nossos trabalhos sugerem que os processos de cálculo aritmético são suportados por sistemas neurais semelhantes àqueles utilizados no processo de contar. Além disso, pode-se propor que utilizamos diferentes estratégias de cálculo, suportadas por circuitos neurais distintos, na solução de uma mesma operação.
Pode-se concluir que o cálculo aritmético é um processo neural complexo, que envolve várias etapas (Fig. 5):
Fig. 5 – O processo otimizado de cálculo
As diferentes etapas acima descritas são suportadas por circuitos neurais distintos, o que torna o processamento aritmético uma atividade de inúmeras áreas cerebrais, que se envolvem diferentemente na solução de cada um dos tipos de cálculo, de acordo com as diferentes estratégias utilizadas e com o objetivo de fornecer resultados mais ou menos precisos.
A associação entre os circuitos neurais para aritmética e linguagem partilham apenas alguns elementos em comum, principalmente relacionados com a fase de identificação e recodificação. O processo de cálculo definido principalmente nas fases de quantificação e operação é suportado por um sistema neural específico, cujas propriedades básicas foram moldadas na evolução, pela necessidade de quantificar os objetos e eventos envolvidos nas atividades de sobrevivência. Esses fatos devem ser levados em conta quando do planejamento de atividades e jogos educativos.